sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Silenciosa manhã

Deixaste teus olhos acesos em mim
Como dois pedaços de luz arrancados do sol
Que atravessaram a noite
Inteira
Iluminando a memória do teu rosto
E te carreguei
Delicada claridade
Estendendo o tempo

Quando a manhã irrompeu
Com a morte silenciosa das estrelas
Eu ainda com teu beijo
Desapegado de paixão
Abandonado em minha boca

Nem tentei
Arrancar a espera do teu gosto
Doendo em minha pele
E adormeci com você mergulhando nua
Em meus poros
Num sonho branco
Escondida na umidade ardida dos sentidos
Dos sentimentos.



Nunca um olhar como o teu
Fere e despe
Nunca um olhar com tanta luz
E tanto fogo
Acende
E incendeia.


Jefferson Pinheiro

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Saudades do Poetinha!

O poeta a procura de

uma música que seja...

...Como os mais belos harmônicos da natureza. Uma música que seja como o som do vento na cordoalha dos navios, aumentando gradativamente de tom até atingir aquele em que se cria uma reta ascendente para o infinito.Uma música que comece sem começo e termine sem fim.Uma música que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto.Uma música que seja como a nota lancinante deixada no ar por um pássaro que morre.Uma música que seja como o som dos altos ramos das grandes árvores vergastadas pelos temporais.Uma música que seja como o ponto de reunião de muitas vozes em busca de harmonia nova.Uma música que seja como o vôo de uma gaivota numa aurora de novos sons...


De um verbo...

Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...


Um horizonte...

Mais que perfeito


Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(comum embora)
Ah, quem me dera ir-me!

Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te!

Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais: cuidado...
Ah, quem me dera ver-te!

Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Morar-te até morrer-te...

Vinicius de Moraes

“Vinicius: o paradigma de uma liga indissolúvel entre a vida e a poesia. A vida de poeta. Do rapaz de família autor dos mais belos sonetos, o falso mendigo, o falso vagabundo que trabalhava como um mouro enquanto produzia, curtia e produzia e curtia e produzia e curtia. Pela produção maciça de delicadezas, Vinicius pode ser o protótipo do bicho - da- seda brasileiro.”

Waly Salomão.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Caminhos

Ao longe se vê o menino
Sentado a beira da estrada

Sozinho

Tem os olhos úmidos de terra
Da casa da infância que deixou para trás

Sem endereço de chegada
Na bagagem música e poesia
Segue apressado
Ouvidos aguçados

Gritos
Chamados por todos lados

O menino perde o rumo
Já não sabe voltar
Nem partir
Nem ficar

Olhos plantados na terra
Recorda antigas canções
Contempla o caminho

Com mãos de jardineiro
Planta sua música e poesia na terra úmida

Adormece

Ninguém mais soube do menino
Se voltou
Se partiu

Mas a beira da estrada
Uma pequena semente a espera de chuva
Que não tarda a cair.



Patricia Borda

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Flor menina


Das flores do jardim
A mais pequenina
Mimosa
Dentre todas a mais formosa

Com sua pose de princesa
Ilumina meus caminhos
Desde sempre

E por onde passa
Deixa um rastro de floridas pegadas
Que de tão coloridas
Enfeitiçam borboletas e passarinhos
Que já não sabem mais viver
Se não for para seguir a moça...


Patrícia Borda

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Mar e Lua

Chico Buarque


Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam suas saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar
E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentido arrepios.
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira mar.

“Outro dia nós saímos em passeata cívica, e éramos 100 mil na Avenida Rio Branco: estudantes, intelectuais, clero, donas de casa, protegidos por um extraordinário esquema de segurança bolado pelos próprios garotos. Uma beleza. Se alguma coisa de bom tem que sair desse país, vai ser à base do novo movimento estudantil. E, naturalmente, Chico Buarque de Hollanda”.

Vinicius de Moraes escreveu no prefácio do livro O jornal de Antonio Maria. Julho de 1968.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Tua presença

Sinto tua presença
Espiando, observando
Pelo buraco da fechadura
Cada passo, cada suspiro

Sinto o corpo arrepiar
Quando invades a minha casa
No meio da noite, insolente
E me levas para o teu mundo

Sinto que me devoras
Fera chamada saudade

Dia após dia, minuto após minuto
Tomando pouco a pouco meu corpo
Minha alma

Companheira de tantas horas
Lê comigo até meus livros
Inspira-me poesias

Já me afeiçôo de ti

Logo seremos uma só
Eu e minha saudade


Patricia Borda

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Maravilhosa Cecília!

Renúncia

Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre a tua alma nas tuas mãos
E abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nesse último gesto!

"Nasci no Rio de Janeiro, três meses depois da morte do meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas ao mesmo tempo me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento da minha personalidade."


Cecília Meireles



Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário que de um lado era amor e
de outro, esquecimento.

Querer

Não quero saber do medo
Que invade meu dia cada vez
Que penso em ti

Não quero saber da solidão
Que se fez noite para nós

Nem das mãos que estendidas
Esperam em vão pelas tuas

Quero e procuro
Saber da tua alma e da minha
O porquê dessa dor

Que transformou dia em noite
Amor em desamor
E separou nossos corpos
Que já foram um só

Quero saber onde se escondeu
Nossa alegria
Que foi pra tão longe
E faz tanto tempo
Que dela nada sei

Nossos longos papos
Madrugadas de tantas descobertas

Das noites perfeitas
Que se perderam
Em alguma curva

Em algum cinzeiro

Em alguma palavra dita


Quero saber onde
Encontrar-me inteira

Que me sinto aos pedaços

E entre escombros
Cada parte que encontro
Não me cabe mais

Na tristeza de um amor
Que morreu tão jovem

E ainda grita aqui dentro
E não sei como calar

Como desatar os nós
Como desprender cada parte de mim
Que em ti ficou

Como fazer?
E o que eu quero saber....

domingo, 11 de novembro de 2007

Esconderijo


Quando um dia
Com os olhos cansados
Do dia seguinte

Olhei para dentro de mim
Surpreendi-me ao ver uma criança

Não pude ver o rosto
Mas senti a pele
Os cabelos
A solidão

Assustada corri para o quarto
A cama estava arrumada
A casa cheirava a bolo

Pairava um ar de felicidade

Pela vidraça, vi outras crianças
Brincavam no jardim

Meninas

Rodavam de mãos dadas

Pude sentir o cheiro das rosas
O calor da tarde, anunciando chuva

Escondida atrás da cortina
Vi meus pais chegarem

Eram jovens, tinham sonhos
Traziam brinquedos para mim e
Meu irmão

Não tive coragem de sair do esconderijo

Sentia-me longe
Pensei em como o mundo dos adultos era distante
Calei


Ouvia seus passos
Suas conversas

Mas pertencia a outro mundo


Voltei para mim
Voltei a olhar para o hoje

Mas guardo esse passado

Essa solidão de criança

Essa casa em que me refugio
Quando me sinto só.



Patricia Borda