quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

"Te amo como as begônias tarântulas amam seus congêneres,
como as serpentes se amam enroscadas lentas algumas
muito verdes outras escuras, a cruz na testa lerdas prenhes,
dessa agudez que me rodeia, te amo ainda que isso te fulmine
ou que um soco na minha cara me faça menos osso e mais verdade".


Hilda Hist
Em memória de Paulo Yutaka

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Causerie

Tu és um belo céu de outono, claro e rosa!
Mas a tristeza sobe em mim como o mar,
E deixa, refluindo, na minha boca amargosa
A lembrança ácida desse cáustico amar.

- Tua mão desliza em vão no meu peito sem amarras;
O que ele procura, amiga, é um lugar saqueado
Pelas mulheres com seus dentes ferozes e as garras.
Não procures meu coração pelas feras devorado.

Meu coração é um palácio destruído pelo azedume;
Nele há quem beba, se mate, se agarre pelos cabelos!
Circula em torno dos teus seios nus um perfume!

Ó beleza, duro flagelo das almas, fonte de pesadelos!
Com os teus olhos de fogo, ardentes como uma festa,
Calcina este farrapo que das feras ainda me resta!


Mais...

Femmes Damnées (Mulheres perdidas)

Como animais ruminando, nas areias deitadas
Elas voltam os olhos ao longe para o mar;
Com os pés se buscando e as mãos grudadas
Vão da doce preguiça à vontade de chorar.

Umas, coração transbordando de confidências,
No fundo dos bosques onde murmuram riachos
Soletram o amor das temerosas adolescências
E fazem da casca de algum arbusto capachos;

Outras, como irmãs, andam sérias e parvas
No meio dos rochedos cheios de aparições,
Onde Santo Antonio viu surgir como lavas
Os seios nus e rubros de suas tentações;

Há, por causa do brilho de alguma seiva borbulhante,
Quem, no silêncio oco de um velho pagão,
Te peça socorro para acalmar sua febre gritante,
Ó Baco, deus que faz adormecer remorsos em vão!

E há outras, cujos seios amam os escapulários,
Que escondendo sob as longas roupas chicotes,
Misturam, nas noites e nos bosques solitários,
Lágrimas de tormentos e a espuma dos fricotes.


Ó virgens, Ó monstros, ó mártires, ó demônios
Almas vagabundas e que desprezam a realidade,
Devotas, caçadoras de infinito, de pandemônios
Que ora gritam de prazer ora choram de saudade,

Vocês que no próprio inferno a minha alma buscou,
Pobres irmãs, eu as amo tanto que as odeio,
Por suas mornas dores, suas sedes que nada secou,
Urnas de amor de que o peito de todas está cheio!

Flores do mal – O amor segundo Charles Baudelaire

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Uma cachorrinha




Uma cachorrinha
Girando no espaço
Sozinha, sozinha
Girando no espaço
Uma cachorrinha
Sem sede e sem fome
Girando no espaço
Por causa do homem:
Tanta mulherzinha
Girando no espaço
Por causa do homem...
-Salve, mulherzinha!
-Eia, cachorrinha!


Vinicius de Moraes


* Poeminha para Yvete Magdaleno e para Laika, a cadelinha espacial

**Na foto: Morganinha bebê! Linda!

Segredos

Gotas de chuva
Escorrem entre os botões
Da blusa da moça

Tão santa
Cobrindo os seios
Escondendo o peito
Cortado ao meio
Por uma língua afiada

Uma sentença
Entre as pernas contidas
Que guardam segredos
Trêmulos
Obscenos

Reza a moça
Que a água lenta e cálida
A absolva

Da luxúria da carne alheia
Dos seus carrascos
Da criança traída
Por um beijo póstumo



Patrícia Borda

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Memória

Sei que um dia
Minha imagem
Vai desaparecer
Atrás dos seus olhos

E uma voz ao fundo
Deixará de repetir meu nome

Sei que um dia
Num instante
Que não presumes

Meu beijo
Desaparecerá de sua boca
E todas as palavras
Não serão mais
Que a memória de um eco

Que o tempo
Cansou de repetir

Mas mesmo assim
Sei
Como se fosse possível
Alguma certeza

Que o tempo guardará
Nós dois para si

Mesmo que nunca nos conte



Everton Behenck

Extraordinária aventura vivida por Maiakóvski

A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em Julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis da datcha onde eu estava.
Na colina de Púnchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.
E atrás da aldeia,
Um buraco
E no mesmo buraco, todo dia,
O mesmo ato:
o sol descia
lento e exato.
E de manhã
outra vez
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
Que de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
“Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!”
E grito ao sol:
“ Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu, aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!”
E grito ao sol:
“ Espere!
Ouça , topete de ouro,
e se em lugar desse acaso
de paxá
você baixar em casa para um chá?”
Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas,
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com voz de baixo:
“Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
Pegue a compota, poeta!”
Lagrimas na ponta dos olhos
- O calor me faz desvairar-
eu lhe mostro
o samovar:
“Pois bem,
sente-se astro!”
Quem me mandou berrar ao sol
Insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
falo disso e daquilo,
como me cansa a rosta,
etc.
E o sol:
“ Esta certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas assim tão pretas.
E Eu? Você pensa que brilhar é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!”
conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro,
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
“ Somos amigos
para sempre,
eu de você,
você de mim.
Vamos poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu com seus versos.”
O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir para cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é para brilhar,
que tudo mais vá para o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.


Os: Rosta- Agência telegráfica Russa.
Datcha- casa de veraneio.

Vladimir Maiakóvski
1920
( Tradução de Augusto de Campos)

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Doce veneno

Tua menina convida à roda
Canta cantigas
Olha doce, e brilha

Foi ela
Que enfeitiçou

Com lábios de sangue
E cabelos de noite
Toda cidade

E tão grande a magia
Que do veneno escorrido
Da menina
Fez-se mulher
E da doçura
Fez-se a carne lânguida

E brilhava cada vez mais
Em sua dança sensual

A donzela com olhos de fera
Mistura de santa com meretriz

Cujo sopro estilhaçou janelas e portas

E segue a estilhaçar


Patricia Borda