segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Longa madrugada

Longa madrugada

De espera na janela do peito

Que esconde

Um grito

Um gemido vazio

No escuro do quarto

Sem mobília



Doce madrugada quando chegas

Embriagado de música

E traz a lua

Nova

Que dissipa o vento

Lento

Em meu corpo

Carne

Em teu nome

Tempo.




Patrícia Borda

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Histórias de gente e anjos...


Tenho medo da dor de tua ausência
que me queima por dentro.
E da ternura eu tenho medo, dessa
beleza das noites secretas
quando chegas
sempre como se fosse a única vez.

Tenho medo de que um dia queiras
cessar esse rio de águas ardentes
onde mais do que os corpos
tocam-se as almas,

anjos desatinados luzindo no breu.


Lya Luft

domingo, 13 de janeiro de 2008

Vida de Cachorro



Vamos embora companheiro, vamos

Eles estão por fora do que eu sinto por você

Me dê sua pata peluda vamos passear

Sentindo o cheiro da rua

Me lamba o rosto meu querido, lamba

E diga que também você me ama

Eu quero ver o seu rabo abanando

Vamos ficar sem coleira

Vamos ter cinco lindos cachorrinhos

Até que a morte nos separe, meu amor!


Mutantes

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.

Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam uma longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é musica ouvida de passagem: rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é natureza
nem os homens sociedade.
Para ele, a chuva, e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão lá paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros.Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas do chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
No espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
Pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
Ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Drummond

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008