quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Fábulas

Por Mauro Siqueira
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Ela era uma princesa, como muitas dessas por aí... a sua adversidade era a de dormir e dormir e dormir (narcolepsia?) até que o Belo Príncipe a despertasse com o beijo sincero do amor sincero. Anos e anos se passaram até que o tal se apresentasse, era o ano de 2009.
Observou as heras e vinhas, espinhos, liquens, musgos que guardavam o seu catre. Uma menina inocente. Ele se aproximou e ficou fatalmente encantado, tocou-lhe o rosto sereno com cuidado... o cabelo louro numa mecha crescida cobria os olhos e descia até tocar o chão de um mármore agora velho. Com a ponta dos dedos, tocou-lhe os lábios róseos com cuidado: parecia... morta. Deu tapinhas no rosto. Parecia morta. Mais fortes. Parecia morta. “Ei?” Parecia morta. A bela princesa era muito bonita e bem feita. Parecia morta. (narcolepsia?) Suas roupas fora de moda estavam apertadas e gastas, rasgando e puindo em várias partes – os ombros e braços à mostra, os tornozelos e canelas, o colo à mostra. A princesa crescera naquele cárcere de panos e rendas.
O Belo Príncipe nunca amara, nunca tivera um amor vivo (necrofilia?), ninguém desse mundo lhe dava prazer (necrofilia?) saiu aí, no mundo, numa busca muda e intempestiva, no seu Mustang® branco.
Tocou-a, quase sem tocar, apenas passeando com a mão, os ombros, os braços, os tornozelos, as canelas, parecia morta. Parecia morta... Passou a sua mão mais uma vez por aquele rosto cândido e aqueles lábios pios; inclinou-se, quase lhe tocando, disse no afã de ser ouvido: “I wish I could eat the salt of your lost and fading lips.”
O som que fazia era excitante: as roupas praticamente se desfaziam ao toque de tão velhas que estavam: tocou-lhe os seios. E todo o resto. (Mas não lhe deu nenhum beijo.)
Como num arpejo, seus movimentos, não simultâneos, mas muito sincronizados e disciplinados davam contam dos seus intentos – afinal, era um príncipe. Não parou até os homens de branco do sanatório perceberam mais uma vez a ausência dele, o necrófilo, e irromperem pelo quarto da menina narcoléptica e o arrancarem com autoridade e vigor de lá, não sem muita diligência e trâmite, aplicando inúmeras seringas no seu pescoço e braços até ele adormecer.
A bela, ali adormecida, não acordou. Já não era mais uma princesa inocente, cândida e pura e... e aquela lágrima que brotara silenciosa, tão muda quanto ela, não podia dizer nada, deixando àqueles que escrevem a incumbência de (re)contar essa bela história pelo tempo.  o-bule - Mauro Siqueira



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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Pena - O Teatro Mágico


O poeta pena quando cai o pano
E o pano cai
Um sorriso por ingresso
Falta assunto, falta acesso
Talento traduzido em cédula
E a cédula tronco é a cédula mãe solteira
O poeta pena quando cai o pano
E o pano cai
Acordes em oferta, cordel em promoção
A Prosa presa em papel de bala
Música rara em liquidação
E quando o nó cegar
Deixa desatar em nós
Solta a prosa presa
A Luz acesa
Lá se dorme um sol em mim menor
[Eu sinto que sei que sou um tanto bem maior]
O palhaço pena quando cai o pano
E o pano cai
A porcentagem e o verso
A rifa, a tarifa e refrão
Talento provado em papel moeda
Poesia metamorfoseada em cifrão
O palhaço pena quando cai o pano
E o pano cai
Meu museu em obras, obras em leilão
Atalhos, retalhos, sobras
A matemática da arte em papel de pão
E quando o nó cegar
Deixa desatar em nós
Solta a prosa presa
A luz acesa
Já se abre um sol em mim maior

[Eu sinto que sei que sou um tanto bem maior]

 http://oteatromagico.mus.br/

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

"Um homem jamais pode entender o tipo de solidão que uma mulher experimenta. Um homem se deita sobre o útero da mulher apenas para se fortalecer, ele se nutre desta fusão, se ergue e vai ao mundo, a seu trabalho, a sua batalha, sua arte. Ele não é solitário. Ele é ocupado. A memória de nadar no líquido aminótico lhe dá energia, completude. A mulher pode ser ocupada também, mas ela se sente vazia. Sensualidade para ela não é apenas uma onda de prazer em que ela se banhou, uma carga elétrica de prazer no contato com outra. Quando o homem se deita sobre o útero dela, ela é preenchida, cada ato de amor, ter o homem dentro dela, um ato de nascer e renascer, carregar uma criança e carregar um homem. Toda vez que o homem deita em seu útero se renova no desejo de agir, de ser. Mas para uma mulher, o climax não é o nascimento, mas o momento em que o homem descansa dentro dela."
Anais Nin