"Te amo como as begônias tarântulas amam seus congêneres,
como as serpentes se amam enroscadas lentas algumas
muito verdes outras escuras, a cruz na testa lerdas prenhes,
dessa agudez que me rodeia, te amo ainda que isso te fulmine
ou que um soco na minha cara me faça menos osso e mais verdade".
Hilda Hist
Em memória de Paulo Yutaka
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
Causerie
Tu és um belo céu de outono, claro e rosa!
Mas a tristeza sobe em mim como o mar,
E deixa, refluindo, na minha boca amargosa
A lembrança ácida desse cáustico amar.
- Tua mão desliza em vão no meu peito sem amarras;
O que ele procura, amiga, é um lugar saqueado
Pelas mulheres com seus dentes ferozes e as garras.
Não procures meu coração pelas feras devorado.
Meu coração é um palácio destruído pelo azedume;
Nele há quem beba, se mate, se agarre pelos cabelos!
Circula em torno dos teus seios nus um perfume!
Ó beleza, duro flagelo das almas, fonte de pesadelos!
Com os teus olhos de fogo, ardentes como uma festa,
Calcina este farrapo que das feras ainda me resta!
Mais...
Femmes Damnées (Mulheres perdidas)
Como animais ruminando, nas areias deitadas
Elas voltam os olhos ao longe para o mar;
Com os pés se buscando e as mãos grudadas
Vão da doce preguiça à vontade de chorar.
Umas, coração transbordando de confidências,
No fundo dos bosques onde murmuram riachos
Soletram o amor das temerosas adolescências
E fazem da casca de algum arbusto capachos;
Outras, como irmãs, andam sérias e parvas
No meio dos rochedos cheios de aparições,
Onde Santo Antonio viu surgir como lavas
Os seios nus e rubros de suas tentações;
Há, por causa do brilho de alguma seiva borbulhante,
Quem, no silêncio oco de um velho pagão,
Te peça socorro para acalmar sua febre gritante,
Ó Baco, deus que faz adormecer remorsos em vão!
E há outras, cujos seios amam os escapulários,
Que escondendo sob as longas roupas chicotes,
Misturam, nas noites e nos bosques solitários,
Lágrimas de tormentos e a espuma dos fricotes.
Ó virgens, Ó monstros, ó mártires, ó demônios
Almas vagabundas e que desprezam a realidade,
Devotas, caçadoras de infinito, de pandemônios
Que ora gritam de prazer ora choram de saudade,
Vocês que no próprio inferno a minha alma buscou,
Pobres irmãs, eu as amo tanto que as odeio,
Por suas mornas dores, suas sedes que nada secou,
Urnas de amor de que o peito de todas está cheio!
Flores do mal – O amor segundo Charles Baudelaire
Mas a tristeza sobe em mim como o mar,
E deixa, refluindo, na minha boca amargosa
A lembrança ácida desse cáustico amar.
- Tua mão desliza em vão no meu peito sem amarras;
O que ele procura, amiga, é um lugar saqueado
Pelas mulheres com seus dentes ferozes e as garras.
Não procures meu coração pelas feras devorado.
Meu coração é um palácio destruído pelo azedume;
Nele há quem beba, se mate, se agarre pelos cabelos!
Circula em torno dos teus seios nus um perfume!
Ó beleza, duro flagelo das almas, fonte de pesadelos!
Com os teus olhos de fogo, ardentes como uma festa,
Calcina este farrapo que das feras ainda me resta!
Mais...
Femmes Damnées (Mulheres perdidas)
Como animais ruminando, nas areias deitadas
Elas voltam os olhos ao longe para o mar;
Com os pés se buscando e as mãos grudadas
Vão da doce preguiça à vontade de chorar.
Umas, coração transbordando de confidências,
No fundo dos bosques onde murmuram riachos
Soletram o amor das temerosas adolescências
E fazem da casca de algum arbusto capachos;
Outras, como irmãs, andam sérias e parvas
No meio dos rochedos cheios de aparições,
Onde Santo Antonio viu surgir como lavas
Os seios nus e rubros de suas tentações;
Há, por causa do brilho de alguma seiva borbulhante,
Quem, no silêncio oco de um velho pagão,
Te peça socorro para acalmar sua febre gritante,
Ó Baco, deus que faz adormecer remorsos em vão!
E há outras, cujos seios amam os escapulários,
Que escondendo sob as longas roupas chicotes,
Misturam, nas noites e nos bosques solitários,
Lágrimas de tormentos e a espuma dos fricotes.
Ó virgens, Ó monstros, ó mártires, ó demônios
Almas vagabundas e que desprezam a realidade,
Devotas, caçadoras de infinito, de pandemônios
Que ora gritam de prazer ora choram de saudade,
Vocês que no próprio inferno a minha alma buscou,
Pobres irmãs, eu as amo tanto que as odeio,
Por suas mornas dores, suas sedes que nada secou,
Urnas de amor de que o peito de todas está cheio!
Flores do mal – O amor segundo Charles Baudelaire
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
Uma cachorrinha
Uma cachorrinha
Girando no espaço
Sozinha, sozinha
Girando no espaço
Uma cachorrinha
Sem sede e sem fome
Girando no espaço
Por causa do homem:
Tanta mulherzinha
Girando no espaço
Por causa do homem...
-Salve, mulherzinha!
-Eia, cachorrinha!
Vinicius de Moraes
* Poeminha para Yvete Magdaleno e para Laika, a cadelinha espacial
**Na foto: Morganinha bebê! Linda!
Segredos
Gotas de chuva
Escorrem entre os botões
Da blusa da moça
Tão santa
Cobrindo os seios
Escondendo o peito
Cortado ao meio
Por uma língua afiada
Uma sentença
Entre as pernas contidas
Que guardam segredos
Trêmulos
Obscenos
Reza a moça
Que a água lenta e cálida
A absolva
Da luxúria da carne alheia
Dos seus carrascos
Da criança traída
Por um beijo póstumo
Patrícia Borda
Escorrem entre os botões
Da blusa da moça
Tão santa
Cobrindo os seios
Escondendo o peito
Cortado ao meio
Por uma língua afiada
Uma sentença
Entre as pernas contidas
Que guardam segredos
Trêmulos
Obscenos
Reza a moça
Que a água lenta e cálida
A absolva
Da luxúria da carne alheia
Dos seus carrascos
Da criança traída
Por um beijo póstumo
Patrícia Borda
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
Memória
Sei que um dia
Minha imagem
Vai desaparecer
Atrás dos seus olhos
E uma voz ao fundo
Deixará de repetir meu nome
Sei que um dia
Num instante
Que não presumes
Meu beijo
Desaparecerá de sua boca
E todas as palavras
Não serão mais
Que a memória de um eco
Que o tempo
Cansou de repetir
Mas mesmo assim
Sei
Como se fosse possível
Alguma certeza
Que o tempo guardará
Nós dois para si
Mesmo que nunca nos conte
Everton Behenck
Minha imagem
Vai desaparecer
Atrás dos seus olhos
E uma voz ao fundo
Deixará de repetir meu nome
Sei que um dia
Num instante
Que não presumes
Meu beijo
Desaparecerá de sua boca
E todas as palavras
Não serão mais
Que a memória de um eco
Que o tempo
Cansou de repetir
Mas mesmo assim
Sei
Como se fosse possível
Alguma certeza
Que o tempo guardará
Nós dois para si
Mesmo que nunca nos conte
Everton Behenck
Extraordinária aventura vivida por Maiakóvski
A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em Julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis da datcha onde eu estava.
Na colina de Púnchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.
E atrás da aldeia,
Um buraco
E no mesmo buraco, todo dia,
O mesmo ato:
o sol descia
lento e exato.
E de manhã
outra vez
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
Que de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
“Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!”
E grito ao sol:
“ Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu, aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!”
E grito ao sol:
“ Espere!
Ouça , topete de ouro,
e se em lugar desse acaso
de paxá
você baixar em casa para um chá?”
Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas,
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com voz de baixo:
“Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
Pegue a compota, poeta!”
Lagrimas na ponta dos olhos
- O calor me faz desvairar-
eu lhe mostro
o samovar:
“Pois bem,
sente-se astro!”
Quem me mandou berrar ao sol
Insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
falo disso e daquilo,
como me cansa a rosta,
etc.
E o sol:
“ Esta certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas assim tão pretas.
E Eu? Você pensa que brilhar é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!”
conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro,
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
“ Somos amigos
para sempre,
eu de você,
você de mim.
Vamos poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu com seus versos.”
O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir para cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é para brilhar,
que tudo mais vá para o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.
Os: Rosta- Agência telegráfica Russa.
Datcha- casa de veraneio.
Vladimir Maiakóvski
1920
( Tradução de Augusto de Campos)
O verão rolava em Julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis da datcha onde eu estava.
Na colina de Púnchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.
E atrás da aldeia,
Um buraco
E no mesmo buraco, todo dia,
O mesmo ato:
o sol descia
lento e exato.
E de manhã
outra vez
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
Que de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
“Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!”
E grito ao sol:
“ Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu, aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!”
E grito ao sol:
“ Espere!
Ouça , topete de ouro,
e se em lugar desse acaso
de paxá
você baixar em casa para um chá?”
Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas,
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com voz de baixo:
“Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
Pegue a compota, poeta!”
Lagrimas na ponta dos olhos
- O calor me faz desvairar-
eu lhe mostro
o samovar:
“Pois bem,
sente-se astro!”
Quem me mandou berrar ao sol
Insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
falo disso e daquilo,
como me cansa a rosta,
etc.
E o sol:
“ Esta certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas assim tão pretas.
E Eu? Você pensa que brilhar é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!”
conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro,
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
“ Somos amigos
para sempre,
eu de você,
você de mim.
Vamos poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu com seus versos.”
O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir para cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é para brilhar,
que tudo mais vá para o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.
Os: Rosta- Agência telegráfica Russa.
Datcha- casa de veraneio.
Vladimir Maiakóvski
1920
( Tradução de Augusto de Campos)
terça-feira, 4 de dezembro de 2007
Doce veneno
Tua menina convida à roda
Canta cantigas
Olha doce, e brilha
Foi ela
Que enfeitiçou
Com lábios de sangue
E cabelos de noite
Toda cidade
E tão grande a magia
Que do veneno escorrido
Da menina
Fez-se mulher
E da doçura
Fez-se a carne lânguida
E brilhava cada vez mais
Em sua dança sensual
A donzela com olhos de fera
Mistura de santa com meretriz
Cujo sopro estilhaçou janelas e portas
E segue a estilhaçar
Patricia Borda
Canta cantigas
Olha doce, e brilha
Foi ela
Que enfeitiçou
Com lábios de sangue
E cabelos de noite
Toda cidade
E tão grande a magia
Que do veneno escorrido
Da menina
Fez-se mulher
E da doçura
Fez-se a carne lânguida
E brilhava cada vez mais
Em sua dança sensual
A donzela com olhos de fera
Mistura de santa com meretriz
Cujo sopro estilhaçou janelas e portas
E segue a estilhaçar
Patricia Borda
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
Silenciosa manhã
Deixaste teus olhos acesos em mim
Como dois pedaços de luz arrancados do sol
Que atravessaram a noite
Inteira
Iluminando a memória do teu rosto
E te carreguei
Delicada claridade
Estendendo o tempo
Quando a manhã irrompeu
Com a morte silenciosa das estrelas
Eu ainda com teu beijo
Desapegado de paixão
Abandonado em minha boca
Nem tentei
Arrancar a espera do teu gosto
Doendo em minha pele
E adormeci com você mergulhando nua
Em meus poros
Num sonho branco
Escondida na umidade ardida dos sentidos
Dos sentimentos.
Nunca um olhar como o teu
Fere e despe
Nunca um olhar com tanta luz
E tanto fogo
Acende
E incendeia.
Jefferson Pinheiro
Como dois pedaços de luz arrancados do sol
Que atravessaram a noite
Inteira
Iluminando a memória do teu rosto
E te carreguei
Delicada claridade
Estendendo o tempo
Quando a manhã irrompeu
Com a morte silenciosa das estrelas
Eu ainda com teu beijo
Desapegado de paixão
Abandonado em minha boca
Nem tentei
Arrancar a espera do teu gosto
Doendo em minha pele
E adormeci com você mergulhando nua
Em meus poros
Num sonho branco
Escondida na umidade ardida dos sentidos
Dos sentimentos.
Nunca um olhar como o teu
Fere e despe
Nunca um olhar com tanta luz
E tanto fogo
Acende
E incendeia.
Jefferson Pinheiro
quarta-feira, 28 de novembro de 2007
Saudades do Poetinha!
O poeta a procura de
uma música que seja...
...Como os mais belos harmônicos da natureza. Uma música que seja como o som do vento na cordoalha dos navios, aumentando gradativamente de tom até atingir aquele em que se cria uma reta ascendente para o infinito.Uma música que comece sem começo e termine sem fim.Uma música que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto.Uma música que seja como a nota lancinante deixada no ar por um pássaro que morre.Uma música que seja como o som dos altos ramos das grandes árvores vergastadas pelos temporais.Uma música que seja como o ponto de reunião de muitas vozes em busca de harmonia nova.Uma música que seja como o vôo de uma gaivota numa aurora de novos sons...
De um verbo...
Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito
E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
Um horizonte...
Mais que perfeito
Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(comum embora)
Ah, quem me dera ir-me!
Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te!
Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais: cuidado...
Ah, quem me dera ver-te!
Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Morar-te até morrer-te...
Vinicius de Moraes
“Vinicius: o paradigma de uma liga indissolúvel entre a vida e a poesia. A vida de poeta. Do rapaz de família autor dos mais belos sonetos, o falso mendigo, o falso vagabundo que trabalhava como um mouro enquanto produzia, curtia e produzia e curtia e produzia e curtia. Pela produção maciça de delicadezas, Vinicius pode ser o protótipo do bicho - da- seda brasileiro.”
Waly Salomão.
uma música que seja...
...Como os mais belos harmônicos da natureza. Uma música que seja como o som do vento na cordoalha dos navios, aumentando gradativamente de tom até atingir aquele em que se cria uma reta ascendente para o infinito.Uma música que comece sem começo e termine sem fim.Uma música que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto.Uma música que seja como a nota lancinante deixada no ar por um pássaro que morre.Uma música que seja como o som dos altos ramos das grandes árvores vergastadas pelos temporais.Uma música que seja como o ponto de reunião de muitas vozes em busca de harmonia nova.Uma música que seja como o vôo de uma gaivota numa aurora de novos sons...
De um verbo...
Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito
E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
Um horizonte...
Mais que perfeito
Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(comum embora)
Ah, quem me dera ir-me!
Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te!
Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais: cuidado...
Ah, quem me dera ver-te!
Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Morar-te até morrer-te...
Vinicius de Moraes
“Vinicius: o paradigma de uma liga indissolúvel entre a vida e a poesia. A vida de poeta. Do rapaz de família autor dos mais belos sonetos, o falso mendigo, o falso vagabundo que trabalhava como um mouro enquanto produzia, curtia e produzia e curtia e produzia e curtia. Pela produção maciça de delicadezas, Vinicius pode ser o protótipo do bicho - da- seda brasileiro.”
Waly Salomão.
terça-feira, 27 de novembro de 2007
Caminhos
Ao longe se vê o menino
Sentado a beira da estrada
Sozinho
Tem os olhos úmidos de terra
Da casa da infância que deixou para trás
Sem endereço de chegada
Na bagagem música e poesia
Segue apressado
Ouvidos aguçados
Gritos
Chamados por todos lados
O menino perde o rumo
Já não sabe voltar
Nem partir
Nem ficar
Olhos plantados na terra
Recorda antigas canções
Contempla o caminho
Com mãos de jardineiro
Planta sua música e poesia na terra úmida
Adormece
Ninguém mais soube do menino
Se voltou
Se partiu
Mas a beira da estrada
Uma pequena semente a espera de chuva
Que não tarda a cair.
Patricia Borda
Sentado a beira da estrada
Sozinho
Tem os olhos úmidos de terra
Da casa da infância que deixou para trás
Sem endereço de chegada
Na bagagem música e poesia
Segue apressado
Ouvidos aguçados
Gritos
Chamados por todos lados
O menino perde o rumo
Já não sabe voltar
Nem partir
Nem ficar
Olhos plantados na terra
Recorda antigas canções
Contempla o caminho
Com mãos de jardineiro
Planta sua música e poesia na terra úmida
Adormece
Ninguém mais soube do menino
Se voltou
Se partiu
Mas a beira da estrada
Uma pequena semente a espera de chuva
Que não tarda a cair.
Patricia Borda
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
Flor menina
Das flores do jardim
A mais pequenina
Mimosa
Dentre todas a mais formosa
Com sua pose de princesa
Ilumina meus caminhos
Desde sempre
E por onde passa
Deixa um rastro de floridas pegadas
Que de tão coloridas
Enfeitiçam borboletas e passarinhos
Que já não sabem mais viver
Se não for para seguir a moça...
Patrícia Borda
A mais pequenina
Mimosa
Dentre todas a mais formosa
Com sua pose de princesa
Ilumina meus caminhos
Desde sempre
E por onde passa
Deixa um rastro de floridas pegadas
Que de tão coloridas
Enfeitiçam borboletas e passarinhos
Que já não sabem mais viver
Se não for para seguir a moça...
Patrícia Borda
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
Mar e Lua
Chico Buarque
Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam suas saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar
E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentido arrepios.
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira mar.
“Outro dia nós saímos em passeata cívica, e éramos 100 mil na Avenida Rio Branco: estudantes, intelectuais, clero, donas de casa, protegidos por um extraordinário esquema de segurança bolado pelos próprios garotos. Uma beleza. Se alguma coisa de bom tem que sair desse país, vai ser à base do novo movimento estudantil. E, naturalmente, Chico Buarque de Hollanda”.
Vinicius de Moraes escreveu no prefácio do livro O jornal de Antonio Maria. Julho de 1968.
Chico Buarque
Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam suas saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar
E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentido arrepios.
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira mar.
“Outro dia nós saímos em passeata cívica, e éramos 100 mil na Avenida Rio Branco: estudantes, intelectuais, clero, donas de casa, protegidos por um extraordinário esquema de segurança bolado pelos próprios garotos. Uma beleza. Se alguma coisa de bom tem que sair desse país, vai ser à base do novo movimento estudantil. E, naturalmente, Chico Buarque de Hollanda”.
Vinicius de Moraes escreveu no prefácio do livro O jornal de Antonio Maria. Julho de 1968.
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Tua presença
Sinto tua presença
Espiando, observando
Pelo buraco da fechadura
Cada passo, cada suspiro
Sinto o corpo arrepiar
Quando invades a minha casa
No meio da noite, insolente
E me levas para o teu mundo
Sinto que me devoras
Fera chamada saudade
Dia após dia, minuto após minuto
Tomando pouco a pouco meu corpo
Minha alma
Companheira de tantas horas
Lê comigo até meus livros
Inspira-me poesias
Já me afeiçôo de ti
Logo seremos uma só
Eu e minha saudade
Patricia Borda
Espiando, observando
Pelo buraco da fechadura
Cada passo, cada suspiro
Sinto o corpo arrepiar
Quando invades a minha casa
No meio da noite, insolente
E me levas para o teu mundo
Sinto que me devoras
Fera chamada saudade
Dia após dia, minuto após minuto
Tomando pouco a pouco meu corpo
Minha alma
Companheira de tantas horas
Lê comigo até meus livros
Inspira-me poesias
Já me afeiçôo de ti
Logo seremos uma só
Eu e minha saudade
Patricia Borda
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
Maravilhosa Cecília!
Renúncia
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre a tua alma nas tuas mãos
E abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nesse último gesto!
"Nasci no Rio de Janeiro, três meses depois da morte do meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas ao mesmo tempo me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento da minha personalidade."
Cecília Meireles
Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário que de um lado era amor e
de outro, esquecimento.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre a tua alma nas tuas mãos
E abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nesse último gesto!
"Nasci no Rio de Janeiro, três meses depois da morte do meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas ao mesmo tempo me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento da minha personalidade."
Cecília Meireles
Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário que de um lado era amor e
de outro, esquecimento.
Querer
Não quero saber do medo
Que invade meu dia cada vez
Que penso em ti
Não quero saber da solidão
Que se fez noite para nós
Nem das mãos que estendidas
Esperam em vão pelas tuas
Quero e procuro
Saber da tua alma e da minha
O porquê dessa dor
Que transformou dia em noite
Amor em desamor
E separou nossos corpos
Que já foram um só
Quero saber onde se escondeu
Nossa alegria
Que foi pra tão longe
E faz tanto tempo
Que dela nada sei
Nossos longos papos
Madrugadas de tantas descobertas
Das noites perfeitas
Que se perderam
Em alguma curva
Em algum cinzeiro
Em alguma palavra dita
Quero saber onde
Encontrar-me inteira
Que me sinto aos pedaços
E entre escombros
Cada parte que encontro
Não me cabe mais
Na tristeza de um amor
Que morreu tão jovem
E ainda grita aqui dentro
E não sei como calar
Como desatar os nós
Como desprender cada parte de mim
Que em ti ficou
Como fazer?
E o que eu quero saber....
Que invade meu dia cada vez
Que penso em ti
Não quero saber da solidão
Que se fez noite para nós
Nem das mãos que estendidas
Esperam em vão pelas tuas
Quero e procuro
Saber da tua alma e da minha
O porquê dessa dor
Que transformou dia em noite
Amor em desamor
E separou nossos corpos
Que já foram um só
Quero saber onde se escondeu
Nossa alegria
Que foi pra tão longe
E faz tanto tempo
Que dela nada sei
Nossos longos papos
Madrugadas de tantas descobertas
Das noites perfeitas
Que se perderam
Em alguma curva
Em algum cinzeiro
Em alguma palavra dita
Quero saber onde
Encontrar-me inteira
Que me sinto aos pedaços
E entre escombros
Cada parte que encontro
Não me cabe mais
Na tristeza de um amor
Que morreu tão jovem
E ainda grita aqui dentro
E não sei como calar
Como desatar os nós
Como desprender cada parte de mim
Que em ti ficou
Como fazer?
E o que eu quero saber....
domingo, 11 de novembro de 2007
Esconderijo
Quando um dia
Com os olhos cansados
Do dia seguinte
Olhei para dentro de mim
Surpreendi-me ao ver uma criança
Não pude ver o rosto
Mas senti a pele
Os cabelos
A solidão
Assustada corri para o quarto
A cama estava arrumada
A casa cheirava a bolo
Pairava um ar de felicidade
Pela vidraça, vi outras crianças
Brincavam no jardim
Meninas
Rodavam de mãos dadas
Pude sentir o cheiro das rosas
O calor da tarde, anunciando chuva
Escondida atrás da cortina
Vi meus pais chegarem
Eram jovens, tinham sonhos
Traziam brinquedos para mim e
Meu irmão
Não tive coragem de sair do esconderijo
Sentia-me longe
Pensei em como o mundo dos adultos era distante
Calei
Ouvia seus passos
Suas conversas
Mas pertencia a outro mundo
Voltei para mim
Voltei a olhar para o hoje
Mas guardo esse passado
Essa solidão de criança
Essa casa em que me refugio
Quando me sinto só.
Patricia Borda
Com os olhos cansados
Do dia seguinte
Olhei para dentro de mim
Surpreendi-me ao ver uma criança
Não pude ver o rosto
Mas senti a pele
Os cabelos
A solidão
Assustada corri para o quarto
A cama estava arrumada
A casa cheirava a bolo
Pairava um ar de felicidade
Pela vidraça, vi outras crianças
Brincavam no jardim
Meninas
Rodavam de mãos dadas
Pude sentir o cheiro das rosas
O calor da tarde, anunciando chuva
Escondida atrás da cortina
Vi meus pais chegarem
Eram jovens, tinham sonhos
Traziam brinquedos para mim e
Meu irmão
Não tive coragem de sair do esconderijo
Sentia-me longe
Pensei em como o mundo dos adultos era distante
Calei
Ouvia seus passos
Suas conversas
Mas pertencia a outro mundo
Voltei para mim
Voltei a olhar para o hoje
Mas guardo esse passado
Essa solidão de criança
Essa casa em que me refugio
Quando me sinto só.
Patricia Borda
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