terça-feira, 22 de dezembro de 2009

"É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado." (Caio Fernando Abreu)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009


O amor é uma casa ocupada. E a propósito: tem alguém aí?

domingo, 6 de dezembro de 2009

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A saia

Costurei com linha clara
no babado da saia
retalhos impregnados de noite

mesa de bar
muitas risadas
bons amigos
uns tragos

uns olhares curiosos
umas palavras líquidas

sob a saia, a mão afoita

carícias
sussurros
uns gritos
uns uivos

um extase
uma sonera

...

na barra da saia rodada
guardei uma noite inteira.

sábado, 21 de novembro de 2009

Todo o ser

 

É preciso estar só
buscar um só cálice para o vinho

brindar a unidade
o ser uno
a criança

Incontamidada forma

É preciso voltar aos poucos
ao criativo poder do início

do que não tem forma
nao anseia

apenas observa
desafia o medo

e atravessa a campina
a largos passos recolhendo flores.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

As sem razões do amor





Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


 Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.



Carlos Drummond de Andrade

domingo, 18 de outubro de 2009

...

As ameixas apodreceram ...

sábado, 10 de outubro de 2009

Um pouco de Ana C.



"...não ter posição marcada, idéias, opiniões, fala desvairada.
Só de não ditos ou de delicadezas se faz minha conversa, e para não ficar louca e inteiramente solta neste pântano, marco para mim o limite da paixão, e me tensiono na beira: tenho de meu (discurso) este resíduo. Não tenho idéias, só o contorno de uma sintaxe (= ritmo)."

FAGULHA

Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.

Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando

Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.

Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.

Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.

Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio

Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las

Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.



Samba-Canção

Tantos poemas que perdi.
Tantos que ouvi, de graça,
pelo telefone – taí,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica,
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário, cara
pálida que desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas, tantas fiz...

Ana Cristina Cesar

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Duas canções de silêncio

Ouve como o silêncio
Se fez de repente
Para o nosso amor

Horizontalmente...

Crê apenas no amor
E em mais nada
Cala: escuta o silêncio
Que nos fala
Mais intimamente: ouve
Sossegada
O amor que despetala
O silêncio...

Deixa as palavras a poesia...


Vinicius de Moraes

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Sobre as estrelas

Nao quero flores
no túmulo da minha última morte

meu grito jaz seco
enterrado vivo

e meu ventre inda arde
tua presença de estrela

cadente

e mesmo que nao me caibam as roupas
e mesmo que o sangue ainda escorra por entre as pernas

mesmo que ele sempre escorra

te levo
no lado mais doce da alma.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Do alto do Morro

Com um soco

bem na boca do estômago

rompeu o casulo


arrancou a pele

com dentes inda verdes


trêmula

nervorosa

ansiou o momento


luzir o universo

com suas asas


brilhantes

recém paridas



seu vôo

alumiou o morro

todos os cantos

ruelas

contornos

canteiros

...


vi a luz da minha janela.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Samba no pé

As ameixas permanecem intactas -

estes dias estiquei o braço
tentativa vã

braços repletos
e tão perto da minha janela

insinuante

oferece frutas como pequenas porções de pecado
incestuosas
lânguidas que são

todo ano virando flor
virando fruta
virando noite
virando desejo
virando poesia

noite dessas
susurrou-me em voz de veludo
sua vontade de virar samba...

sexta-feira, 31 de julho de 2009

"Os tolos e os fanáticos estão sempre seguros de si, mas os sábios são cheios de dúvidas."

Autor desconhecido

sábado, 6 de junho de 2009

Adquira-me

Adquira-me em paredes
em partes dissonantes
todos os poemas

adquira-me em sílabas
letra a letra
que passar rente a mesa
das tuas palavras
embaladas de noite e soltura

adquira essa minha inconstância ao andar
esses acasos vivos em mim
como um cão acariciado por um desconhecido
permita-me um carinho alheio
ao que ofereço no poema

não quero te prender
na linha estreita e apertada da forma
não quero te ditar uma rima
nem tão pouco que entendas a poesia
como um sopro que desejas imensamente
ou simplesmente
perceber

não quero te encher dessas palavras
repetidas
ao poeta não cabe a plavra
cansada e óbvia
ditada e redita a toda hora
nessa confusão barata
do mundo-boca

que queiras conhecer outra palavra alva
outra palavra branca ou negra
escondida nesse caderno espaçoso
sem linhas de excesso
limpo liso e preciso

que queiras saber
uma palavra que
também possuis
mas não te foi revelada

aquele verso solto volto e revolto
consultado diariamente
recitado pra si
aquela palavra inversa
que te cerceia
e não sabes
lembrar o nome
aquele sentimento poema
que te engalfinhas para achar
o sentido

mas só diz a palavra
mas a palavra só diz
mas só a palavra diz

se permitir um espaço
entre o livro e essa instância em escrever
se no visgo da minha passagem
lado a lado
vizinho a essa remessa de verso
solveres
saliva a saliva
minúcia a minúcia
gole a gole
a poesia distante que rápido evapora
adquira-me logo

há de passar em mim e perante a esses corpos
o poema-labirinto
que negado a adquirir-nos
pode se enterrar
em qualquer outra garganta seca

e pode estar lá morto
nosso viço poema
que nada quis
dilacerado numa parte-página
em branco


Ryana Gabech

quinta-feira, 5 de março de 2009

...

Saberás que não te amo e que te amo
posto que de dois modos é a vida,
A palavra é uma asa do silêncio,
O fogo tem uma metade de frio.
Eu te amo para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo todavia.
Te amo e não te amo como se tivesse
em minhas mãos a chave da fortuna
e um incerto destino desditoso.
Meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.

Pablo Neruda

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Diário

Estranha sensação de estranhamento do próprio eu. Tanto tempo dedicado a abrir portas, portinholas, janelas, baús...E finalmente me reconheço nesse pedaço de realidade. Me dispo pouco a pouco de cada peça de roupa. A pele. Epiderme. E por um segundo me enxergo. Uma fresta que a primeira brisa da primavera vem abrir. Gosto do que vejo. Do pouco. Do quase nada de mim que se revela agora. O corpo trêmulo, a alma invadida, recém renascida. Antiga desconhecida, fugitiva.Tento agarrá-la. Muitas vozes, gritos, palavras, imagens, milhões de sons flutuando pelo quarto, sala, rodando cada vez mais forte. Firmo o passo, seguro com força esse ensaio de mim.Uma felicidade estrangeira se move comigo, aquece o corpo, desgranha os cabelos, gruda nos poros, adoça o hálito, excita a carne. E antes de adormecer me beija delicada e calma...

Caixa de Pandora

No fundo de uma gaveta
brilha sem ser visto
gotas do que fomos

Um colar
um par de brincos

Presentes de um passado
escondido
trancafiado
por alguém de olhos claros

Vã tentativa
céu estrelado
vão
psicodelia

som das antigas
bijuteria

Caixa de pandora
liberta dragões
fantasmas
um monstro de olhos doces
e riso triste

Melhor não achar a chave
melhor deixar que a água
despedace as fotos

Melhor não procurar entre pedras
pedras
brilhantes
do colar arrebentado.