sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Causerie

Tu és um belo céu de outono, claro e rosa!
Mas a tristeza sobe em mim como o mar,
E deixa, refluindo, na minha boca amargosa
A lembrança ácida desse cáustico amar.

- Tua mão desliza em vão no meu peito sem amarras;
O que ele procura, amiga, é um lugar saqueado
Pelas mulheres com seus dentes ferozes e as garras.
Não procures meu coração pelas feras devorado.

Meu coração é um palácio destruído pelo azedume;
Nele há quem beba, se mate, se agarre pelos cabelos!
Circula em torno dos teus seios nus um perfume!

Ó beleza, duro flagelo das almas, fonte de pesadelos!
Com os teus olhos de fogo, ardentes como uma festa,
Calcina este farrapo que das feras ainda me resta!


Mais...

Femmes Damnées (Mulheres perdidas)

Como animais ruminando, nas areias deitadas
Elas voltam os olhos ao longe para o mar;
Com os pés se buscando e as mãos grudadas
Vão da doce preguiça à vontade de chorar.

Umas, coração transbordando de confidências,
No fundo dos bosques onde murmuram riachos
Soletram o amor das temerosas adolescências
E fazem da casca de algum arbusto capachos;

Outras, como irmãs, andam sérias e parvas
No meio dos rochedos cheios de aparições,
Onde Santo Antonio viu surgir como lavas
Os seios nus e rubros de suas tentações;

Há, por causa do brilho de alguma seiva borbulhante,
Quem, no silêncio oco de um velho pagão,
Te peça socorro para acalmar sua febre gritante,
Ó Baco, deus que faz adormecer remorsos em vão!

E há outras, cujos seios amam os escapulários,
Que escondendo sob as longas roupas chicotes,
Misturam, nas noites e nos bosques solitários,
Lágrimas de tormentos e a espuma dos fricotes.


Ó virgens, Ó monstros, ó mártires, ó demônios
Almas vagabundas e que desprezam a realidade,
Devotas, caçadoras de infinito, de pandemônios
Que ora gritam de prazer ora choram de saudade,

Vocês que no próprio inferno a minha alma buscou,
Pobres irmãs, eu as amo tanto que as odeio,
Por suas mornas dores, suas sedes que nada secou,
Urnas de amor de que o peito de todas está cheio!

Flores do mal – O amor segundo Charles Baudelaire

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